Vai um Capuchino?
Na área das misturas do café com leite não há nada que chegue aos calcanhares da meia de leite portuguesa. A meia de leite existe fisicamente; vê-se; cheira-se, até ao longe; sente-se; excita-nos o paladar; faz-nos sentir despertos e relaxados, em simultâneo; provoca-nos aquele suspirozinho de aconchego; é líquida; é feminina, por isso se toma; é meia para deixar algum espaço de manobra para poder ainda melhorar – como se tal fosse possível! O capuchino é masculino e está tudo dito; é morno e como os homens mornos é sem sabor; enerva; não aquece nem arrefece; não desperta; não excita; não suscita coisa alguma. O capuchino é balofo e a sua espuma só atrapalha e provoca gases. É mau para os intestinos, por isso.
Na meia de leite o açúcar cai na xícara e dissolve-se efectivamente, não fica para ali a boiar em cima da espuma. Uma pessoa mexe uma meia de leite e vê o movimento do líquido na chávena e essa sensação é extremamente importante para todo o português e para qualquer ser humano que se preze. O movimento dá-nos aquela certeza de que a vida existe - o movimento talvez seja a vida. Para além de que mexer uma meia de leite é um dos grandes prazeres desta vida. É uma sensação de omnipotência provocar ondas numa xícara. Sentimo-nos como uma lua a provocar as marés no mar.
Uma meia de leite vem cheia de meia de leite, um capuchino vem meio de capuchino e meio de espuma. É um contra-senso, um paradoxo, uma arteirice, um falso produto, uma presunção. Uma meia de leite não paga franchisings nem direitos de autor e deveria ser incluída nos bens de primeira necessidade para ficar isenta de IVA. Uma meia de leite é uma meia de leite e pronto! Um capuchino pode vir com mais qualquer coisa que só o descaracteriza: Um capuchino com canela ou outras especiarias; um capuchino com qualquer outra mariquice, tipo, como já vi, com um desenho sobre a espuma. A arte do capuchino está no desenho ou na espuma e não no capuchino. A arte na meia de leite é-lhe intrínseca. Um capuchino, quando muito, é uma meia de leite com gravata, mas essas coisas das gravatas só ficam bem nos imperiais.
Conheço alguns italianos que já se renderam à meia de leite portuguesa – Uma redundância, a meia de leite é portuguesa! -, aliás, depois de a experimentarem todos se rendem, “isto sim, é um bom capuchino!”, dizem, imediatamente antes de serem interrompidos pelo meu patriotismo. “Isto sim, é uma meia de leite”, digo, para não haver confusão.